Esqueci a janela aberta a noite e o vento trouxe um cheiro de acordar. Primeiro só senti o cheiro e foi bom, depois em sobressalto lembrei dos lençóis no varal, poxa, eles estavam secos já, podia ter tirado antes de dormir, refletia enquanto saia de casa nas pontas dos pés e passava pelos quartos, sorrateira como os bichos da noite, ligeira e silenciosa pelas frestas de luz para não acordá-los, que sei como andam cansados de não descansar. O quintal é cheio de barulhos à noite, e quando estou assim, sozinha, vendo a rua vazia de gente, de carros, sinto um pouco de medo, barulhos sutis me amedrontam mais que os carros e buzinas, são mais estranhos aos meus ouvidos diurnos, menos reconhecíveis, sons de bichos talvez, e podiam ser morcegos que até de dia já vi um deles pendurado na árvore menor, a da mesinha. Mas enquanto pensava isso, a chuva imediata, cheia e pesada fez-me pisar a terra já encharcada, para tirar os lençóis que pingavam outra vez, que demorei muito para perceber a chuva aumentando enquanto tentava acostumar meus olhos ao escuro, até achar o interruptor, então pisei mais fundo na terra de mil flores, e o corpo todo molhado, e os lençóis do varal, e as plantas, e todos os bichos do quintal no salvador banho das madrugadas quentes...
Quantas pessoas mais haviam tomado banho comigo naquela chuva? Quantos o fizeram por querer? Quantos correram para se abrigar dela? Os sabia pelo sentimento, sem saber quem era o pequeno mundo de coisas que acordara pelo mesmo motivo que eu.
Acordar e não dormir mais não foi insônia qualquer, estar descalça, com os pés afundados na terra me fez amar o inusitado, me livrou do medo de querer controlar o que quer que seja, e me manteve assim até o amanhecer... não foi a preocupação pelo que virá nem o apego ao que passou, o que me acordou e me manteve alerta até agora foi o instante, a vida mesmo, acontecendo...Você precisava ver.
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